Umas peças falam connosco, mas outras falam de nós!

por RETRY CD 1 Comentário

Umas peças falam connosco, mas outras falam de nós!

I - Umas peças falam connosco...

A forma de vestir está intimamente associada à história pessoal. Indica a margem de liberdade do indivíduo diante da família, amigos e suas interações sociais. A roupa acompanha a evolução da própria vida e relata a relação com a própria imagem, deixando transparecer as marcas dos fracassos e êxitos na edificação do narcisismo.
A roupa comunica mais do que podemos imaginar.
Cada outfit transmite uma mensagem diferente e através das cores, texturas, linhas e formas, despertam-nos sentimentos distintos.

A preferência de cada peça e sua conjugação está associada a um desejo de imagem personalidade ou estilo pessoal que queremos projetar. Tal como acontece na decoração de um ambiente, podemos perceber um pouco da personalidade da pessoa. Ou seja, da mesma forma que um ambiente se apresenta cosy e lhe incute a sensação de aconchego, uma roupa desperta-lhe mais conforto, credibilidade, alegria,…apesar de que a criação do seu outfit pode depender também de uma cultura de grupo social.

Outra curiosidade é que a mesma roupa pode comunicar de forma diferente conforme as pessoas que a usam. A simples mudança de cores no mesmo fato, está diretamente relacionada com os sentimentos e estados de espírito, com o menear do corpo, a singeleza dos gestos, o charme natural e intransmissível, etc e são estes factores importantes que provocam no “espectador” reações de simpatia ou indiferença.

Quando há coerência entre vestir e sentir, inevitavelmente consegue transmitir mais segurança e consequentemente sente-se mais bela, leve e feliz.
Isso explica, porque uma roupa fica diferente dependendo da pessoa que a veste. “Afinal de contas quem dá vida a uma roupa é um corpo em movimento”.

Todas nós temos peças de vestuário que nos marcam pela sua extravagância, pela forma como nos fazem sentir especiais, por terem sido oferecidas por alguém muito querido, pelo local onde as compramos... Ou seja, toda a gente tem peças que trazem história.

São as “crónicas” dos nossos armários.

Os troféus que temos orgulho em ostentar.
E essas peças, quando chega a hora da revisão do closet fazem-nos sonhar de novo, relembrar muitos bons momentos e de ano para ano vão-se mantendo alinhadas como se de relíquias falássemos. E, na verdade são!
São peças com estatuto!
E quem terá a ousadia de dizer que o que nos faz sonhar não é agradável?
Elas são um colírio, um estímulo e até uma companhia e meu coração bate feliz quando as vê. E são estas as que falam connosco.

Quando abro o armário vezes sem conta começo a viajar.
Pego no álbum de fotografias, ainda impressas em papel e percebo com saudades como me apetecia voltar àquele lugar e voltar a viver aqueles bons momentos. E assim dou comigo a “apanhar” o avião e a reviver tudo.

Todos temos viagens que preferimos e outras que preterimos. Mas todas foram importantes. Todas me trouxeram mais-valias à minha vida.
Viajar abre horizontes, “afoga-nos” em experiências que nos acrescentam conhecimento e cultura às nossas vidas.
Torna-nos, sem dúvida, mais fortes, pois sozinhos ou acompanhados, saímos da nossa zona de conforto e temos de enfrentar as surpresas com celeridade.
Quando viajo no tempo fico sempre mais feliz.
Mesmo com adversidades foram viagens inesquecíveis umas exóticas outras mais culturais e ainda as “patéticas “que acompanhadas de amigos são absolutamente incríveis e saudáveis. Um bálsamo para a alma!


África, por exemplo tem um pôr do sol e um cheirinho……ahhh o cheirinho da terra molhada, único, inesquecível e magnético. São várias as paisagens, da luxúria às estepes. Do rei da selva ao “tinhoso do mosquito” que nos pode estragar umas férias com uma simples picada.

Na gaveta encontro os páreos com estampas étnicas únicas que trouxe dos Masai. Os olhos das crianças quando lhes dei rebuçados coloridos não mais esquecerei. Foram as cores que lhes despertou o interesse e de seguida os sabores bem diferentes do que estão habituados. Senti-me num filme. Recordei “África Minha”. Imaginei-me a Meryl Streep e dentro de mim , num ápice, correu o filme e a fabulosa banda sonora de John Barry. Junto-lhe o cheiro da terra molhada e a música “I had a Farm in Africa”# e sonhei com o filme de Sydney Pollack e com o meu. E de lá vim emocionalmente carregada.


De Marrocos carreguei jóias berberes lindas de morrer de grande impacto visual e que por vezes nos ajudam a conhecer a história deste povo.

Da Gâmbia tecidos tingidos pintados à mão e pulseiras de madeira e prata.Peças tão especiais que ficam presas nos olhos.

Eis que chego à cruzeta de Cabo Verde. Pendurado está um Kaftan feito à mão num tear com uma coordenação de cores fantásticas. carteiras e cintos de serpente feitas à mão pelo povo “café creme” que não esquece que ainda somos irmãos.

Ásia, pelo menos as minhas Ásias”, encheram-me de contrastes extraordinários, distintos coloridos e uma mescla atabalhoada de paisagens de vegetação super fascinantes com personagens inexplicáveis e até bizarras, sons, paladares, cheiros,... que me fizeram ficar com os “olhos em bico e os pés em leque”.

Trouxe da China umas cachemiras, de Singapura , sedas lindas de morrer e echarpes igualmente de seda de Bangkok . Os olhos cheios do trânsito frenético e de mil e uma coisas verdadeiras e falsas. As carteiras e os relógios eram tão “autênticos” que nos intimavam à compra.

Tailândia é um oásis em que tudo se torna imprescindível.
As pessoas são atenciosas e gentis, os preços aliciantes e tudo nos faz querer absolutamente tudo.


Já no Japão, diverti-me imenso pois ninguém fala sequer inglês mas “o gesto é mesmo tudo”.E assim corri a cidade sempre com vénias e sorrisos, mas perceber na realidade o que me queriam dizer, népia, e vice-versa. Muitas risadinhas encheram-me a mala. De recuerdos, só um lenço com o alfabeto japonês e muitas fotografias na minha “Rolleiflex”.
Não que não tivesse interesse em todos aqueles kimonos esplêndidos que já levava em mente, pois tinha visto o filme “O último imperador “, mas o preço não se compadecia com a minha carteira.


Austrália, pois bem , quem me dera passar por lá um dia….pelos documentários e relatos de amigos é quase uma heresia não conhecer. Quem sabe a vida ainda me leva lá.
Não gosto de pecar!


Europa, o velho continente, que me surpreende diariamente.
Muito diversificada, muito sofisticada, muito eclética onde somos quase todos irmãos ou primo,s mas tal como nas famílias com usos e costumes muito diferentes. Neste continente a cada janela um quadro diferente e uma panóplia de histórias atemporais.

Europa de onde trouxe várias peças conforme as regiões, destacam-se por exemplo um blazer Harris Tweed que comprei na “Liberty” em Londres que 40 anos depois continua um must do meu guarda roupa. Da Alemanha um casaco de lã fervida único e feito à mão….entre muitas outras peças.
Ah, não me posso esquecer de Istambul, nas margens do estreito de Bósforo entre a Europa e a Ásia.


As influências de vários impérios que por aqui passaram estão impressas nas fabulosas pachminas e as joias feitas em latão dourado, seda e pedras semipreciosas, influência dos bizantinos, deixaram-me tão perdida que acedi a que me conquistassem e enfrentei a aduana carregada e também carregada de medo.

De Paris trouxe a elegância e o glamour da cidade. Na Cidade onde o amor anda no ar deixei-me seduzir pelas suas lojas requintadas e o charme das ruas, sua arquitetura e lifestyle.
Visitei Chanel, YSL, Dior, Lanvin e inevitavelmente Jean Paul Gaultier, mas deles só consegui trazer as emoções. Também passei na Ines de la Fressange que tem um estilo casual chic delicioso.
Fui aos grandes armazéns Printemps, onde o luxo está exposto all over, mas fiquei sem fôlego com a arquitetura e os vitrais da tecto do restaurante.

De seguida, atravessei a cidade e perdi-me no “mercado de velharias e antiguidades” e no famoso “mercado das pulgas.Lá encontrei as minhas relíquias. Fivelas antigas em cristal que adaptei para pulseira e choker e ainda consegui uns brincos e um anel também em cristal do século XIX.


América, o “novo continente” com que Cristóvão Colombo nos presenteou. A ideia dele era chegar à Índia mas o GPS em vez disso levou-o às Bahamas, nas Caraíbas. Esta parte da América é absolutamente apetitosa. Com praias de areia fina e águas transparentes e quentes, muita alegria no povo e música no coração. Ilhas agitadas de felicidade onde o tempo nunca é perdido. Estou grata a Cristóvão Colombo por se ter enganado nos cálculos astronómicos.

Os astros também escrevem certo por linhas trocadas.
A América é um continente muito variado em culturas, climas e países.
A parte sul fica com o Grandioso Brasil (entre outros países) nossos irmãos de sangue cheios de samba. Só de pensar nos fabulosos “pôr do sol” regados com caipirinhas, chorinhos de pixinguinha # (“Carinhoso” ouça na voz de Marisa Monte) e delicie-se também com bossa nova.Eu fico sempre arrepiada e com “água na boca”.

Ai quem me dera poder cantar sem ferir ninguém….mas Deus quando me deu voz não foi para cantar.
Águas quentes, peixe a saltar do mar pra grelha e consequentemente para o meu prato…ai os ais do aborrecimento.Tudo isto com a mesa posta na borda do mar onde as ondas ritmadas se espraiavam nos nossos pés.
Abro outra gaveta e apanho de novo o avião e dou um saltinho a Buenos Aires. Considerada a Suíça da América do Sul.

O mistério e a sensualidade do tango entranha-se com os contrastes de força bruta e sensível dos seus passos estrategicamente estudados onde as “milongas de amor”(#gotan project)nos acolhem e nos abraçam ou se preferir #jennifer Lopes e Ricardo gere interpretam brilhantemente um tango no filme # shall we dance?”. E li esta frase enquanto os via dançar que achei fabulosa.
"o tango é um pensamento triste que se pode dançar".
E lembrei-me do nosso fado, igualmente triste e dramático mas adorável.Esse corre-me a mim nas veias.

O tango mescla o drama, a paixão, a sensualidade, a agressividade, mas é sempre totalmente triste.
Como dança, é "duro", masculino, sem meneios femininos, a mulher é sempre submissa.Aliás, a origem do Tango e sua coreografia tão complexa no seu início era dançado por 2 homens, daí nunca se olharem olhos nos olhos, sempre de rostos virados, sem se fitar.

Nasceu nos meados do século XIX mas só no início do século XX o seu ritmo sincopado tão diferente e carismático fez sucesso em Paris, e foi aceite pela aristocracia.

Buenos Aires tem uma população atrante e requintada que com rosa ou sem rosa vermelha atravessada na boca dançam o tango com tamanha emoção e apego que se percebe como o sentem só seu.
O som do Bandoleon chega a arrepiar a pele. (La Cumparsita - o Tango mais famoso).
Buenos Aires tem lojas absolutamente icónicas e um bom gosto espelhado em cada montra. Cada vez que empurrava a porta de uma loja era uma experiência única ,uma aventura cheia de peças especiais .Os seus bairros tão diferentes e pitorescos a transbordarem charme atraem-nos e há como que uns grilhões que não nos deixam vir embora.

Fui atraída por uma uma mochila em pele e tecido que ficará comigo até que a morte nos separe e da feira de velharias de S. Telmo trouxe uma Nª Senhora pequenina feita com o estanho de munições de uma qualquer guerra civil.
E por lá, fui uma “Star” por uns dias.
Da América Central, e como aprecio muito o calor, é com muita saudade que relembro especialmente Cuba.
Uma camisa de linho estilo colonial que lembra Hemingway foi a minha escolha predileta.

Tomei café no “Floridita”, onde ele se sentava diariamente a conversar e a escrever seus romances fabulosos perfumados com o fumo de um cohiba. Dizem que o charuto está associado à paz, tranquilidade, a conversas, ao prazer".Tudo o q Hemingway aspirava.

A história está bem estampada pela ilha e é com uma alegria contagiante mas também com muita nostalgia que recordo esta maravilhosa terra e seu povo de olhos atrevidos mas meigos.
Da Jamaica só gostei da vegetação. É tão ou mais bela e luxuriante do que nas Seychelles. Mas as pessoas são estranhas, parecem parcómetros. 10 dólares, 10 minutos de simpatia e logo fecham de novo o rosto.

E mexendo em mais uns armários encontro os chapéus de feltro com rabinhos de raposa que trouxe de uma fábrica que descobri no Soho em New York.
Comprei um “Fedora” cópia de um Borsalino e mais dois que Audrey Hepburn usava frequentemente. E como esta cidade é absolutamente extraordinária e onde já existe tudo o que se sonha, eu fiz jus aos sonhos que pude.
This is my Way!

Este lugar tão cosmopolita conhecido pela “cidade onde se dorme de pé” onde a excentricidade abunda, foi dos primeiros lugares que escolhi para viajar e como já se aperceberam, decididamente eu não poderia morrer sem passar por lá.

Uma noite, fui ao “BLUE NOTE” onde Ray Brown Trio tocou # “Summertime “, com Gene Harris ao piano.Nem que viva mil anos jamais esquecerei.
Foi uma interpretação única e que vale a pena ouvirem.
Sacramental!

Nova York não pára nunca e a variedade de culturas e etnias e seus “Savoir faire” obrigaram-me a encher a mala, era muito nova e fiquei deslumbrada.É um fascínio. Um mundo dentro do planeta. Enorme e cheia de curiosidades e extremamente eclética.
Uma cidade em corrupio permanente e aprendizagem eterna.
Uma cidade que eu queria trazer todinha e mostrar a meus pais.

Mostrei aqui um pouquinho do meu Mundo e do meu armário, com a alma e a memória cheia de recordações.E é com tudo isto q convivo diariamente .
Estas peças nunca me deixam só e são as que falam comigo.
Algumas das peças de roupa ainda as tenho outras já seguiram para outras viagens com outras pessoas.

Neste caso, as roupas são também protagonistas e são responsáveis pela economia circular. É esta visão circular e hereditária que nos faz pertencer à história e integrar-mo-nos no mundo atual.

Termino aqui a primeira parte desta crónica em que estas são as peças que falam connosco.

Deixarei para o nosso próximo encontro, a segunda parte, onde falarei das peças que falam de nós.

Encontramo-nos de novo a 3 de Agosto. E para quem for de férias, boas férias!

Maria Pia

*imagem retirada da capa da Vogue Unique suplemento 745, de Vogue Italia, 2012.


1 Resposta

Maria José Ferreira
Maria José Ferreira

agosto 10, 2022

Muito interessante! Adorei. De facto, o que importa são as histórias da vida. O que de cada mundo, fica a morar connosco, seja através do que for. Mesmo, sim de uma peça de roupa! ❤️

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